Será a greve dos juízes constitucional?
Depois de os juízes arrancarem hoje para uma greve de 21 dias, até 2019, depois de 13 anos sem protestos, o debate surge novamente: será que os juízes têm, realmente, o direito à greve?
Depois de os juízes arrancarem hoje com uma greve que se prolonga por 21 dias, distribuídos até outubro de 2019, ressurge o debate habitual em torno desta questão: terão, afinal, os juízes direito à greve ou não? Será constitucional ou inconstitucional, atendendo ao facto de os magistrados serem titulares de órgãos de soberania?
Na última greve dos magistrados judiciais, há mais de dez anos, em outubro de 2005, o Conselho Superior de Magistratura (CSM) — o órgão que tutela a classe — considerou o protesto lícito, apesar de lamentar o “ambiente de crispação” no sistema judicial, argumentando que os magistrados judiciais têm uma “dupla condição de titulares de órgãos de soberania e de profissionais de carreira que não dispõem de competência para definir as condições em que exercem as suas funções”.
“Muito em especial, um direito à greve dos juízes, fosse qual fosse o motivo invocado para o exercer, contenderia com a ligação estrutural incindível dos magistrados aos tribunais e ao Estado”, escreve Jorge Miranda, dizendo que “seria um conflito entre poderes do Estado”. Como causa última, uma greve dos juízes iria “deslegitimar os juízes perante a comunidade”, defende.
Jorge Miranda recorre aos casos dos militares e agentes das forças de segurança “a quem foi recusado, de forma terminante, o direito à greve”. “Ainda que os juízes pudessem ser configurados também como trabalhadores do Estado, nem daí fluiria, como corolário forçoso, que pudessem pretender ter o direito à greve; nem se compreenderia que os agentes das forças de segurança, que executam as decisões dos juízes, não gozassem de direito à greve e dele gozassem os juízes”, argumenta.
Também Pedro Bacelar de Vasconcelos, presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e deputado do PS, se mostra contra a greve dos juízes numa opinião publicada no Jornal de Notícias, manifestada a oito de novembro deste ano, logo depois de a greve ter sido anunciada pela Associação Sindical de Juízes Portugueses.
“O estatuto remuneratório dos magistrados judiciais está sujeito a um limite lógico que impõe como teto salarial a remuneração legalmente prevista para o cargo de primeiro-ministro”, começa por dizer.
No seu entender, é “perfeitamente normal” um sindicato anunciar um protesto, mas “ao convocar uma greve que se prolonga para além das eleições europeias, até à data previsível da realização das eleições legislativas, a associação sindical não se limita à tentativa, em si mesma legítima, de pressionar o legislador com o fito de obter benefícios remuneratórios”.
“Este efeito perverso não fica dependente sequer do êxito ou do fracasso das reivindicações que prossegue”, defende.
O jurista argumenta que qualquer que seja o resultado deste protesto, esta greve “ficará inscrita como uma perturbação deliberada do normal funcionamento das instituições democráticas e um desafio ao princípio constitucional da separação dos poderes. E, lamentavelmente, ninguém espera que contribua para o prestígio dos tribunais cuja autoridade e independência, hoje mais do que nunca, importa defender e reforçar”, conclui.
Por outro lado, existem magistrados como o procurador-geral-adjunto António Cluny, representante de Portugal na Eurojust – Unidade Europeia de Cooperação Judiciária e ex-presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, que defende que embora os juízes não tenham direito à greve, “na Alemanha, França, Itália e Espanha, os juízes sempre encontraram formas – que em tudo se assemelham a greves – de interromper, como protesto, as atividades dos tribunais”.
Numa opinião no jornal i, António Cluny acaba a questionar qual a melhor maneira de prever estes protestos num Estado de direito. “Reconhecendo aos juízes o direito à greve, enquanto profissionais integrados numa carreira pública; ou levá-los a que, no âmbito da sua função de titulares de órgão de soberania e de acordo com a autonomia que lhes é inerente, criem crises institucionais”, conclui.
Fonte: Sapo Notícias
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